Pierre Bourdieu apresenta uma teoria da prática na Sociologia contemporânea, buscando inculcar uma certa atitude científica em relação à prática profissional do sociólogo, o qual deve romper com os paradigmas do discurso epistemológico, que oferecem a todo tempo o risco de incorrer em modelos prontos. Essa atitude científica implica na submissão dos procedimentos metodológicos à uma razão epistemológica cética, questionadora e vigilante.
“Semelhante tarefa, propriamente epistemológica, consiste em descobrir no decorrer da própria atividade científica, incessantemente confrontada com o erro, as condições nas quais é possível tirar o verdadeiro do falso, passando de um conhecimento menos verdadeiro a um conhecimento mais verdadeiro” (p. 17)
Questionar a prática da ciência, para além das regras estabelecidas pelos metodólogos, representa o o questionamento dos próprios objetos, os quais devem ser “conquistados, construídos e constatados”. (p.22) Se o conhecimento é conquistado contra a ilusão do saber imediato, o pesquisador deve, portanto, atentar para o inesperado, romper com as relações aparentes e trabalhar na emergência de um novo sistema de relações entre os elementos, um sistema de relações objetivas, construído independentemente das opiniões e intenções do sujeito investigado.
Para a conquista do fato, faz-se necessário uma ruptura com as pré-noções. Essa ruptura não é fácil, devido à própria influência da linguagem comum edificada no discurso científico, cujos pressupostos são assumidos inconscientemente. Abdicar das pré-noções, porém, significa romper com as ilusões de transparência, implicando, sobretudo, no questionamento da relação pesquisador-objeto, suas motivações e interesses, em última instância, acerca do estudo que pretende empreender. Para o autor, o saber sociológico é uma construção intelectual constante em oposição ao saber espontâneo. A dificuldade em se livrar das pré-noções é diretamente proporcional ao risco de se cair no profetismo social. Contrariamente, a sociologia possui a tarefa de desvendar as modalidades de atuação das diferentes formas de dominação escondidas nos diversos mundos sociais. É necessário, ainda, voltar-se contra a teoria tradicional, posto que estas, pretensamente universais, tiram da lógica do senso-comum seu projeto fundamental. Bourdieu propõe uma teoria do conhecimento sociológico capaz de superar as armadilhas do objetivismo, determinismo sociológico, do subjetivismo e voluntarismo individualista.
Bourdieu retoma os princípios Durkheim, de que os fatos sociais devem ser construídos para que se tornem objeto de estudo. Na construção do objeto é preciso separar as categorias que pré-constroem o mundo social e que se fazem esquecer por sua evidência, o que significa levar a campo conceitos sistêmicos, noções que pressupõem uma referência permanente ao sistema completo das suas inter-relações, que subentendem uma referência à teoria. O modelo teórico é reconhecido pelo poder de ruptura e de generalização, depurando as relações que que definem os objetos construídos. A construção do fato social consiste, ainda, em delimitar claramente um segmento da realidade, o que significa, na prática, selecionar determinados elementos de uma realidade plural e descobrir por trás das aparências um sistema de relações próprias ao fato social estudado.
Após a conquista e a construção do objeto, este deve ser submetido à uma verificação sistemática. A constatação do objeto cumpre o papel de pôr à prova o seu valor heurístico, observando se as preliminares epistemológicas de ruptura e construção atenderam ao objetivo de superação da sociologia espontânea, evitando as recorrências ao senso-comum. Cabe ressaltar que os fatos só respondem àquilo que é perguntado pelo pesquisador. Assim, se interrogados sob pré-noções e receituários metodológicos, os fatos, destituídos de valor, não oferecerão nada que valha a pena ser dito.
“Toda experiência bem construída tem como efeito intensificar a dialética da razão e da experiência, mas somente coma condição de que o pesquisador saiba pensar, de forma adequada, os resultados, inclusive negativos, que ela produz e se interrogue sobre as razões que fazem com que os fatos têm razão de dizer não”. (p. 78)
Sob seu ponto de vista, a sociologia é uma ciência que incomoda, pois critica, coloca problemas e traz a baila recalques que se pretendem ocultar. A posição do sociólogo é particularmente ingrata, muitas vezes acusado etnocentrismo, diante das questões que lhe são incessantemente colocadas. Ao mesmo tempo, Bourdieu não ignora o enraizamento social do sociólogo, o qual faz parte de um grupo específico com determinados interesses, esquemas de pensamentos e problemáticas peculiares.
BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude e PASSERON, Jean-Claude. O Ofício de Sociólogo: Metodologia da pesquisa na sociologia. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
5 comentários:
muito boa sintese do texto de Bourdieu sobre Ofício de Sociólogo...também, diga-se de passagem, que era exatamente o que estava procurando.
valeu!
(Sociais UFSM)
Olá colegas. Achei o blog no google e estou pegando algumas citações para ajuda me uma prova hoje. Concordo com o MARCIO. Estarei sempre por aqui, desde já!
Abraço
(Mirza - Ciências Sociais UFAC)
gostei muito do oficio de sociologo tirei minhas duvidas na area da pesquisa sociologica!!!
sou sociologo e admiro muito a area da pesquisa sociologica!obrigado Pierre Bourdieu ciencias sociais (unifap)
Estudando sobre o assunto fui recomendado a ler seu comentário sobre o tema, muito relevante.
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