Não existe apenas uma linha de análise de discurso; existem muitos estilos diferentes com enfoques variados, a partir de diversas tradições teóricas, porém todas reivindicando o mesmo nome. O que esses diferentes estilos parecem ter em comum, ao tomar como objeto o discurso, é que partilham de
“uma rejeição da noção realista de que a linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo, e uma convicção da importância central do discurso na construção da vida social” (p.244)
A análise de discurso é uma disciplina de interpretação fundada pela intersecção de epistemologias distintas, pertencentes a áreas da lingüística, do materialismo histórico e da psicanálise. Essa contribuição ocorreu da seguinte forma: da lingüística deslocou-se a noção de fala para discurso; do materialismo histórico emergiu a teoria da ideologia; e finalmente da psicanálise veio a noção de inconsciente que a AD trabalha com o de-centramento do sujeito.
O processo de análise discursiva tem a pretensão de interrogar os sentidos estabelecidos em diversas formas de produção, que podem ser verbais e não verbais, bastando que sua materialidade produza sentidos para interpretação; podem ser entrecruzadas com séries textuais (orais ou escritas) ou imagens (fotografias) ou linguagem corporal (dança).
A AD trabalha com o sentido e não com o conteúdo do texto, um sentido que não é traduzido,mas produzido; pode-se afirmar que o corpus da AD é constituído pela seguinte formulação: ideologia + história + linguagem. A ideologia é entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um discurso, sendo o processo de constituição do imaginário que está no inconsciente, ou seja, o sistema de idéias que constitui a representação; a história representa o contexto sócio histórico e a linguagem é a materialidade do texto gerando “pistas” do sentido que o sujeito pretende dar. Portanto, na AD a linguagem vai além do texto, trazendo sentidos pré-construídos que são ecos da memória do dizer. Entende-se como memória do dizer o inter-discurso, ou seja, a memória coletiva constituída socialmente; o sujeito tem a ilusão de ser dono do seu discurso e de ter controle sobre ele, porém não percebe estar dentro de um contínuo, porque todo o discurso já foi dito antes.
A língua não é transparente e homogênea como muitas vezes aparenta ser; isto faz com que ela seja capaz de equívoco, de falha, de deslizes. O equívoco é contra a idéia do sentido único do enunciado; que permite leituras múltiplas. O sentido não está agregado à palavra, é um elemento simbólico, não é fechado nem exato,portanto sempre incompleto; por isso o sentido pode escapar. O enunciado não diz tudo, devendo o analista buscar os efeitos dos sentidos e, para isso, precisa sair do enunciado e chegar ao enunciável através da interpretação.
Partindo do princípio que a AD trabalha com o sentido, sendo o discurso heterogêneo marcado pela história e ideologia, compreende-se que ela não irá descobrir nada novo, apenas fará uma nova interpretação ou uma releitura. Outro aspecto a ressaltar é que a AD mostra como o discurso funciona não tendo a pretensão de dizer o que é certo, porque isso não está em julgamento. Na interpretação é importante lembrar que o analista é um intérprete, que faz uma leitura também discursiva influenciada pelo seu afeto, sua posição, suas crenças, suas experiências e vivências; portanto, a interpretação nunca será absoluta e única, pois também produzirá seu sentido.
Para constituir o corpus para análise representativo de um determinado discurso, cumpre entrevistar os atores sociais fazendo a transcrição da gravação feita. Não há um caminho pronto para efetivar a análise, mas após várias leituras poderão ser identificados eixos temáticos, que emergem num movimento em que o enunciado leva ao enunciável e vice-versa, explorando-se marcas lingüísticas cujo funcionamento discursivo irá trabalhar, fazendo os recortes das formulações nas quais aparece tal ênfase. Cabe informar o enfoque analítico que é dado à pesquisa. Qualquer elemento pode ser estudado enquanto marca lingüística ou marca de discurso, podendo ser selecionadas poucas marcas lingüísticas para interpretação. Na AD não é necessário analisar tudo que aparece na entrevista, pois se trata de uma análise vertical e não horizontal. O importante é captar a marca lingüística e relacioná-la ao contexto sócio-histórico.
Deste modo, várias leituras do texto farão com que o analista do discurso estranhe aquelas palavras ou formas sintáticas, pode ser, que marcam o discurso e se repetem, visualizando assim as marcas lingüísticas no material linguageiro. Também é interessante explicar o motivo que induziu a escolha do recorte sócio-histórico, pois este faz parte das condições de produção do discurso, representadas no corpus em análise, bem como a necessidade de ilustrar as condições da constituição do corpus. Após ter delimitado o eixo temático o analista irá trabalhar com este, o que supõe o estabelecimento de “recortes discursivos”, onde se representam linguagem e situação. O recorte resulta da teoria e é uma construção do analista; no estudo do recorte se busca caracterizar as regularidades na formação discursiva, no confronto com sentidos heterogêneos. As regularidades das marcas lingüísticas que aparecem no discurso fazem parte da identidade do discurso acessado pelo sujeito, trazendo sentidos pré-construídos que figuram na memória do dizer da sociedade.
GRILL, Rosalind. “Análise de discurso” in. Bauer MW, Gaskell G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3a ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2002.
2 comentários:
Olá Dany!
Encontrei seu blog através de pesquisa sobre o "corpus" da AD. Estou fazendo uma pós e esta abrange a análise como conteúdo. Já li muito e ainda tenho dúvidas de como proceder uma análise, visto não ser uma AC, que se faz normalmente. Não sei como iniciar o procedimentos. Tenho dois textos para analisar e nem sei como começar...
Como é seu procedimento de AD?
Vânia Kasting (nina)
Prezada blogueira,
Por ser um pesquisador desse espaço - blogosfera - encontrei seu blog e,de maneira interessante deparei-me com esse post sobre AD que, por seu turno é parte da abordagem metodológica que uso no meu trabalho quando da análise dos comentários feitos aos blogs que pesquisa. Gostei.
Caso queira ver alguns posts de minha pesquisa acesse. www. poetadasolidao.blogspot.com
Postar um comentário