O autor convida o leitor à uma sociologia reflexiva, cuja trajetória permite uma postura realista, orientada para otimização do uso dos recursos, especialmente do tempo disponível para a pesquisa. Embora, como alega o próprio Bourdieu, o homo academicus goste do acabado, o texto em questão, resultado de um seminário, propõe-se a apresentar os processos do trabalho de pesquisa, o seu know-how. Para ele, o estado da arte nas Ciências Sociais encontra-se na capacidade de teorizar sobre objetos empíricos aparentemente insignificantes, construindo assim um objeto.
Para construir um objeto, contudo, faz-se necessário questionar suas pré-noções antes de aprender o modus operandis da produção científica, porque a única maneira possível de adquirir esse conhecimento é através da observação prática de como reage este habitus científico. A transmissão do habitus pode se dar por indicações práticas ou correções feitas na prática.
Uma das coisas mais importantes na pesquisa científica é exatamente a construção do objeto do conhecimento, através da união de opções teóricas e técnicas empíricas, que podem ser multivariadas, a fim de quebrar o monoteísmo metodológico e jogar novas luzes sobre diversos ângulos do mesmo prisma. O cientista social deve estar atento aos por menores dos procedimentos da pesquisa, posto que, a construção do objeto
“é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas, sugeridos por o[sic] que se chama ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios que orientam as ações ao mesmo tempo minúsculas e decisivas”. ( p. 27)
O primeiro preceito do método está relacionado à noção de campo, alertando o sociólogo que se deve pensá-lo como um espaço de relações de forças entre posições sociais, que vão sendo desvendadas pelo pesquisador. O grande risco de se cair na armadilha das pré-noções para o pesquisador é não conhecer sua verdadeira motivação de interesse acerca do objeto que estuda. È preciso cercar-se de ceticismo, questionar todos os seus pressupostos e variáveis possíveis, numa atitude ativa e sistemática, alicerçado não só na intuição racional, como também no raciocínio analógico.
Bourdieu aponta a necessidade de rupturas epistemológicas, considerando a dificuldade dessa quebra de paradigmas na medida em que estas foram fundamentadas por um corpo de profissionais. A profissão no saber científico é uma “construção social, produto de todo um trabalho social de construção de grupo e de uma representação dos grupos”, (p.40) os quais possuem um ritual próprio – listas feitas, documentação, procedimentos – para estudar determinados objetos. Desta forma, têm-se uma aparência de cientificidade, sem empreender o verdadeiro trabalho científico, que é a construção do próprio objeto de estudo.
A objetivação participante oferece essa possibilidade de ruptura, porquanto implica em adesões mais profundas e inconscientes sobre o interesse no próprio objeto para o pesquisador que o estuda. É o conhecimento da relação pesquisador-objeto e dos próprios limites da objetivação objetiva, posto que o espaço da interação é pré-construído, guardando em si seus ditos e interditos.
“As estratégias discursivas dos diferentes atores, e em especial os efeitos retóricos que têm em vista produzir uma fachada de objetividade, dependerão das relações de força simbólicas entre os campos e dos trunfos que a pertença a esses campos confere aos diferentes participantes ou, por outras palavras, dependerão dos interesses específicos e dos trunfos diferenciais que, nessa situação particular de luta simbólica pelo veredito neutro, lhes são garantidos pela sua posição nos sistemas de relação invisíveis que se estabelecem entre os diferentes campos em que eles participam”. (p.56)
Destarte, a relação do sociólogo com o seu objeto deve ser objetiva, consciente de suas motivações e interesses sobre o referido objeto, a fim de estabelecer condições mínimas de ruptura com os modelos prontos para que não se incorra numa visão parcial e reducionista com ares de ciência.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
Um comentário:
Para o meu doutorado, este texto foi fundamental. Agradeço.
Renata Vilanova
Doutoranda em design pela puc-rio
Estudando o discurso estético em ilustrações de livros, a partir das crianças.
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