quinta-feira, 24 de abril de 2008

Globalização: As consequências humanas

Em Globalização, Bauman nos apresenta uma sociedade marcada pelo movimento, onde a fragmentação coexiste com a uniformidade. Há uma progressiva segregação espacial, evidenciada pelos processos de exclusão e pelas tendências neotribais e fundamentalistas. A chamada sociedade pós-industrial revela novas concepções de tempo e espaço. Essa nova espacialidade confere características bem peculiares aos processos de exclusão: há uma progressiva ruptura de comunicação entre as elites extraterritoriais, cada vez mais globais em contraposição a uma população cada vez mais “localizada”.

Essa elite, liberada dos laços geográficos, constitui uma camada de “proprietários ausentes”. Há um deslocamento dos centros de decisão, que acompanham a mobilidade dessa elite, mas as conseqüências permanecem para a comunidade fadada à imobilidade. E o poder passa a ser livre para explorar sem assumir responsabilidades. Essa sociedade é marcada por um tempo-espaço flexível, em mutação constante, onde o que vale é a habilidade de se mover. Essa mobilidade, contudo, não pressupõe uma tolerância ou mesmo receptividade por parte das comunidades. Zygmunt Bauman expõe a experiência de algumas cidades norte-americanas expressam o que podemos considerar uma predisposição contrária à hospitalidade:

“a suspeita em relação aos outros, a intolerância face à diferença, o ressentimento com estranhos e a exigência de isolá-los e bani-los, assim como a preocupação histérica, paranóica com a “lei e a ordem”, tudo isso tende a atingir o mais alto grau nas comunidades locais mais uniformes, mais segregadas dos pontos de vista racial, étnico e de classe.” (Bauman, 1999: 54)



O próprio Bauman tenta explicar as possíveis causas da intolerância em seu livro:

“a uniformidade alimenta a conformidade e a outra face da conformidade é a intolerância. Numa localidade homogênea é extremamente difícil adquirir as qualidades de caráter e habilidades necessárias para lidar com a diferença humana e situações de incerteza; e na ausência dessas habilidades e qualidades é facílimo temer o outro, simplesmente por ser outro – talvez bizarro e diferente, mas primeiro e sobretudo não familiar, não imediatamente compreensível, não inteiramente sondado, imprevisível” (Bauman, 1999: 55)


Bauman apresenta, então, os “heróis” e vítimas do capitalismo: turistas e vagabundos. O turista é aquele que conquistou o privilégio da mobilidade espacial no mundo contemporâneo, uma mobilidade que depende do tamanho do seu privilégio Um privilégio que também pode ser encarado como uma enorme perda: não há como um turista deixar de imaginar que onde quer que ele esteja desfrutando momentos de satisfação, bem estar e segurança, poderia estar em outra parte. Os turistas são aqueles que recusam qualquer forma de fixação; movimentam-se porque assim o preferem; saem e chegam a qualquer tempo e a qualquer espaço para realizarem seus sonhos, suas fantasias, suas necessidades de consumo e seu estilo de vida.

Já os vagabundos são o alter ego dos turistas, consumidores frustrados. Movimentam-se porque são empurrados pela necessidade de sobrevivência, e mesmo assim existem severas restrições nos tempos e espaços em que eles perambulam. Seus sonhos e fantasias resumem-se a um emprego qualquer, geralmente tarefas consideradas humilhantes pelos turistas, mas que precisam ser executadas por alguém.

Nesse contexto histórico da pós-modernidade, a exclusão cada dia aumenta mais. Contribuem para isto as novas exigências e qualificações para o mundo do trabalho, com as quais a estrutura educacional não está preparada para lidar, tornando-se então uma forte causa do desemprego. A exclusão total da condição de pós-modernidade está gerando uma subclasse, na medida em que os indivíduos não conseguem se vincular às estruturas de informação e comunicação, como produtores, consumidores e, tampouco, como usuários.

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: As conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1999.

Dinâmica da Pesquisa em Ciências Sociais: Os pólos da prática metodológica.

O campo científico é estruturado a partir de uma metodologia geral em quatro pólos distintos, complementares e interacionais, enquanto eixos de uma mesma prática metodológica: o pólo epistemológico, o pólo teórico, o pólo morfológico e o pólo técnico.

O pólo epistemológico exerce uma função de vigilância crítica. Pode ser comparado a um motor interno, de algum modo obrigatório, da investigação do pesquisador. Neste campo são colocadas questões epistemológicas que contribuem na resolução de problemas práticos e na elaboração de soluções teóricas válidas. O problema parte do questionamento filosófico acerca de como podemos ter um conhecimento exato do mundo que nos cerca. A alternativa proposta é investigar através do fenômeno avaliativo, respostas, objetivas ou subjetivas, para o seu atingimento parcial ou total, bem como para sua melhor compreensão.

Analisando os pólos epistemológicos, os Bruyne et alli tentam situar a dialética “numa metodologia geral, indicando as extrapolações que ela pode suscitar” ( p. 65) a partir de três aspectos: o aspecto ontológico, o filosófico e da metodologia das ciências sociais. O positivismo recusa a idéia de considerar, na filosofia, uma verdadeira teoria do conhecimento ou uma epistemologia. Mas a epistemologia não pode estar completamente separada da filosofia, pois todo pesquisador torna-se filósofo devido aos problemas que encontra em seus trabalhos científicos. Desde que o homem filosofa, indaga sobre a essência do conhecimento e essa trajetória revela um processo de concepção de erros.

“A dialética quer pensar a relação do pesquisador com seu objeto do conhecimento, das ciências com o real (...) Ela recusa as abstrações da lógica formal e transcendental, mas recusa também os “fatos empíricos” da experiência imediata. (...) O método dialético, portanto, é o oposto em seu projeto a todo método de tipo positivista” (p. 73-74)


A fenomenologia, por sua vez, posiciona-se com uma atitude reflexiva, consciente dos limites epistemológicos de sua abordagem, rompendo com as pré-noções que povoam o senso-comum, realizando uma redução fenomenológica, a qual representa o engajamento no mundo objetivo a fim de ressaltar sua relação com este, objetivando a compreensão do objeto de pesquisa do cientista social.

“ A reflexão fenomenológica guiará o pesquisador quando se tratar de colocar problemas, hipóteses, de destacar conceitos com vistas à elaboração teórica; ela poderá garantira fecundidade sempre renovada da pesquisa” (p. 79)

A contribuição e o papel do eixo epistemológico estão não só em considerar a epistemologia a margem das ciências e uma reflexão sobre os seus princípios, os seus fundamentos e a sua validade; mas também em admitir o caráter intra-científico da epistemologia, estabelecendo-se as condições de objetividade dos conhecimentos científicos como elemento intrínseco à própria ciência.

O pólo teórico guia a elaboração das hipóteses e a construção dos conceitos. É o lugar da formulação sistemática dos objetos científicos. Sua ambiência, porém, é um lugar de convergência dos outros pólos metodológicos. Uma teoria será válida na medida em que possa ser ao mesmo tempo, pertinente, coerente e testável, sem a pretensão obsessiva de pensar tudo. A teorização do estudo científico deve ser concretizada a partir de um quadro de referência ou uma matriz disciplinar.

“ A verdadeira função da teoria, concebida como parte integrante do processo metodológico, é a de ser o instrumento mais poderoso da ruptura epistemológica face às pré-noções do senso-comum, devido ao estabelecimento de um corpo de enunciados sistemático e autônomo, de uma linguagem com suas regras e dinâmicas próprias que lhe asseguram um caráter de fecundidade” (p. 102)

O pólo morfológico é a instância que anuncia as regras de estruturação, de formulação do objeto científico, impõe-lhe certa figura ou modelo, certa ordem entre seus elementos, articulando os conceitos, os elementos e as variáveis descritas nos pólos epistemológico e teórico e permitindo a construção do objeto científico através de modelos aplicativos

O pólo técnico controla a coleta dos dados, esforça-se por constatá-los para poder confrontá-los com a teoria que os suscitou. Exige precisão na constatação, mas sozinho, não garante sua exatidão. Os procedimentos de coleta das informações são tratados neste eixo metodológico. As pesquisas incumbem-se da coleta e análise dos dados em função dos quais elabora seus fatos. O pólo técnico é o momento da observação, do relato dos fatos, enquanto o pólo teórico é o momento da interpretação e da explicação destes fatos. O pólo epistemológico, por sua vez, está diretamente ligado a coleta de dados face a sua tarefa de vigilância reflexiva a respeito da formulação de seu objeto.

BRUYNE, Paul de; HERMAN, Jacques e SCHOUTHEETE, Marc de. Dinâmica da Pesquisa em Ciências Sociais: Os pólos da prática metodológica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.

quarta-feira, 23 de abril de 2008