quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Relações da História com as demais Ciências Humanas

A necessidade da relação entre a História e as demais Ciências Humanas tornou-se uma tautologia, reconhecida pelos especialistas nas diversas historiografias nacionais, embora se discuta o grau dessas aproximações, que vão desde contatos esporádicos e empréstimos metodológicos até complexos trabalhos interdisciplinares.

Na França, com as duas primeiras gerações da Escola dos Annalles, deu-se a efetiva abertura para a psicologia, a geografia, a estatística, a sociologia e a economia, na medida em que foi se afirmando o alargamento dos estudos históricos. A obra de Braudel é certamente a mais associada a este empreendimento, considerando, no mínimo, três pontos de convergência com as ciências sociais: o conceito de duração, que se assemelha aos “tempos múltiplos” de Gurvitch; o conceito de estrutura, contestanto o exclusivismo arrogado por Levi-Strauss; e o conceito de modelo, emprestado por Braudel ao demógrafo Sauvy.

Na história econômica, o estudo das relações entre rendas, preços e ciclos econômicos (Simiand); da conjuntura econômica com a crise do Antigo Regime (Labrousse); da história da conjuntura com a geo-história (Chaunu, Mauro, Crozet); dos modelos econométricos e da história quantitativa, apontou fenômenos até então insuspeitos ou não compreendidos pela “velha história econômica e social”. Da mesma forma, a recuperação das relações de sociedades tão diversas da contemporânea, como a estamental do séc XVII (Rickert, Furet, Elias) ou as sociedades clássicas (Veyne) só foi possível graças à interação da História com as demais Ciências Humanas.

Os limites do conhecimento, na medida em que se busca a compreensão do homem em uma dimensão histórico-social mais ampla, tornam-se cada vez mais fluidos, a exemplo ainda da história das mentalidades que, com suas novas fontes e procedimentos heurísticos, aproximam sobremaneira o historiador do etnólogo, como diria Jacques Le Goff.

O aprofundamento da historiografia exige uma crescente abstração, distanciamento do senso comum e uma revolução conceitual, que ainda não desencadeou todos os seus efeitos, no que tange à compreensão do homem em sua dimensão social: a existência de diferentes níveis do real, de múltiplos processos e, portanto, de múltiplas explicações científicas e “verdades contingentes” aos problemas já estudados e ainda emergentes.

Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais

A crítica comum aos metodólogos parte do princípio de que estes resumem o campo de atuação da pesquisa científica e fazem proselitismo, ou seja, pregam os métodos quantitativos como se estes fossem a metodologia da salvação, desconsiderando as possibilidades oferecidas por outros métodos – observação participante, análise histórica e a costura de diversos tipos de pesquisa, materiais e públicos disponíveis – comumente utilizados pela maioria dos sociólogos ativos.

Diante das modalidades de discurso metodológico, Becker ressalta a metodologia analítica, surgida da insatisfação do sociólogo em relação às “regras convencionais do bom senso”. Esta se propõe a confrontar a lógica da prática tradicional, buscando conexões lógicas entre as várias etapas da pesquisa, com o objetivo de estabelecer um novo conjunto de regras de procedimentos. Cumpre salientar que muitos problemas importantes não são abordados nos textos sobre metodologia: problemas na implementação dos métodos que não podem ser reduzidos pela metodologia analítica e ainda problemas de interação do entrevistador com o público estudado ou assistentes. Para minimizar tais problemas, o autor sugere um enfoque sociológico para a metodologia, o qual também submete à revisão lógico-analítica os aspectos sociológicos e interacionais do método.

“A estratégia básica de uma análise sociológica de um problema metodológico (...) consiste em ver a atividade científica cujas características metodológicas estão sob investigação exatamente como veríamos qualquer tipo de organização da atividade humana” (p. 33)

Alguns problemas de métodos, negligenciados, também são trabalhados por Becker nesse estudo. O problema da inserção, tratado na literatura como uma questão ética, recebe um viés metodológico, porquanto se observa que conseguir ou não a permissão para executar determinado estudo, implica em questões importantes como a visão dos leigos acerca da pesquisa social, a preocupação com a confidencialidade e usos dos dados ou com os efeitos que a pesquisa pode causar sobre as organizações estudadas. Segundo o autor, o problema da inserção pode ainda direcionar a escolha dos sociólogos para estudos voltados para zonas de consenso e não de conflito. Um exercício interessante seria acumular os sucessos e os fracassos, para aprofundar a compreensão teórica.

Há ainda o problema da prevenção de erros, que faz parte das inúmeras decisões metodológicas que o cientista social precisa tomar diante da construção do seu objeto, muitas vezes reflexos das próprias limitações do pesquisador. Para Becker, os cientistas sociais possuem uma certa relutância diante das salvaguardas metodológicas, considerando que a mesma pesquisa dificilmente será reproduzida para ser confrontada. E, se reproduzida, são grandes as possibilidades de encontrar mudanças na organização estudada.

Outro problema é o da escolha das estruturações teóricas, porquanto cada uma delas é apenas uma visão alternativa do problema, sem encerrar em si verdades absolutas. A escolha, feita normalmente por afinidades, também deve ser questionada, na medida em que o cientista social indaga a si mesmo o que realmente influencia suas escolhas. Becker focaliza a atenção nos modos como as teorias são construídas, seus pressupostos ocultos e questiona a autoridade do teórico para falar em nome do "outro".

Em se tratando das hipóteses de trabalho, cujo desenvolvimento encontra-se muitas vezes no campo do conhecimento técnico informal ou intuitivo, Becker aponta a necessidade de um enfoque claramente analítico, bem como da necessidade de fazer uso da imaginação sociológica para absorver importantes contribuições a partir da experiência pessoa ampla e do contato com os grupos e ambientes socais a serem estudados.

Tais problemas não são os únicos encontrados na prática da pesquisa sociológica. Ao contrário, é um levantamento de proposições e um convite à identificação dos problemas existentes e alternativas para os mesmos.


BECKER, Howard S. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 1997.