sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Memória, Mito e História


A memória, em primeira instância, é a presença do passado. É uma construção psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, a qual nunca é a do indivíduo, mas deste inserido num contexto social.

Segundo o historiador Henry Rousso, a memória é o elemento essencial da identidade, da percepção de si e dos outros. Essa percepção, no entanto, nem sempre se manifesta da mesma forma. De acordo com o historiador das religiões, Mircea Eliade, todos os povos têm uma maneira peculiar de interpretar o mundo e suas origens, através dos mitos. Os mitos relatam acontecimentos que tiveram lugar num tempo primordial, no “tempo fabulosos dos começos”. Ainda segundo Eliade, são os mitos, que nos contam como algo se produziu e começou a ser. Desta forma, os mitos, símbolos, ritos e lendas denotam, antes de tudo, uma profunda insatisfação do homem com a sua situação atual, ou seja, com aquilo que se chama “condição humana”. As dicotomias “bem” e “mal” frequentemente encontradas nos mitos, revelam o mistério da totalidade como parte integrante do drama humano, dentro da memória coletiva.

Os mitos, contudo, só foram vistos como fontes para História a partir da construção de uma nova relação entre a memória e a história, como ressaltou Le Goff. Se a trinta anos atrás, uma obra como La Memoire Collective (1950) de Maurice Halbwachs, não despertou grande interesse na comunidade acadêmica, na década seguinte o quadro apresentou mudanças substanciais, graças a um movimentode reavaliação dos elos entre a história e a memória, resultado de um questionamento dos historiadores à visão tradicional da história, à qual se interessava apenas em manter viva a memória dos grandes fatos e feitos notáveis.


A partir da escola dos Annalles, os historiadores – voltados para novos problemas, novas abordagens e novos objetos – começaram a descortinar a relação de complexidade existente entre a história e a memória, relação eivada de subjetividade. Nesse sentido, foi de grande importância o diálogo com as Ciências Sociais, particularmente a contribuição de Max Weber, com o conceito de neutralidade axiológica, que trouxe à baila discussões que possibilitaram os historiadores considerar a seleção consciente ou inconsciente, as distorções e omissões, como fenômenos característicos da estrutura social da memória na construção dos grupos sociais.


Segundo Peter Burke, os historiadores se interessam ou precisam se interessar pela memória considerando-a sob dois aspectos: como fonte histórica e como fenômeno histórico. Assim, os mitos, elementos importantes da memória coletiva e do imaginário social, tornam-se fontes preciosas para a construção da história das mentalidades, que ao lado da história econômica, política e social, nos permite compreender as problemáticas humanas em outro nível complexidade, senão através de uma “História Total”, como preconizava os Annalles – mas de uma perspectiva holística, segundo a qual, de acordo com Edgar Morin, o todo não é o todo sem as parte, a parte não existe sem o todo, mas a parte também é um todo dentro desse emaranhado que é a tessitura da história humana.

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